Em que contexto se cria uma obra de arte? Por onde começa? Como se constrói? Quem está por detrás dela? Como é o seu mundo? A lente indiscreta surge para captar o ambiente e o momento da criação, a personalidade e a intenção do artista. É um projecto fotográfico há muito pensado e que finalmente começa a ganhar forma. Trata-se de aliar o poder da imagem ao valor que a escrita lhe pode acrescentar, de divulgar a arte das pessoas - a vossa arte - seja um projecto bem definido ou simplesmente um hobby. Trata-se de abrir ao mundo aquilo que vos move e de lhe mostrar novas perspectivas, novos conceitos ou simplesmente novas reinvenções de uma mesma realidade. Esta é a lente indiscreta.




RUI ALGARVIO











Uma paisagem cresce na tela enorme presa à parede. Nasce dos dedos, do pincel ou directamente do tubo de tinta que o pintor esvazia sobre o pano cru. Visível fica o movimento da pincelada que por vezes se dilui em mancha para mais à frente voltar a deixar vestígios do caminho seguido pelo artista. Céu, terra, água, vegetação. Em cada quadro há um caminho a percorrer. O que à primeira vista poderia parecer uma paisagem naif, depressa se revela um trilho outsider que nos faz desconfiar que nenhuma pincelada está ali ao acaso e que cada quadro pode ser a ponta de um imenso iceberg conceptual.

O mesmo acontece com Rui Algarvio. Ele faz questão de ficar fora da objectiva. Pouco falador deixa escapar um tom amargo e corrosivo nas críticas que faz à sociedade portuguesa, tom que tempera com um entusiasmo extremo por aquilo que cria. O seu trabalho tem de falar por si. É a sua vontade. Podemos percorrê-lo com ele, mas dá-nos poucas pistas. Nós podemos perder-nos, mas ele não. As diferentes orientações e intenções que as suas criações já sofreram desde a licenciatura na Faculdade das Belas Artes em Lisboa e nos dois anos que viveu na Cidade do México são etapas de um percurso no qual ele tem muito bem presente aquilo que quer fazer.

A sua inspiração virá dos longos quilómetros percorridos em bicicleta pelos caminhos de terra do interior do país? Das fotografias que tira às paisagens em andamento, das músicas que preenchem o seu pequeno atelier de Lisboa, dos filósofos que lê ou dos filmes japoneses que vê? “Trago tudo cá para dentro”, diz. “Mas não consigo trabalhar na confusão”. No chão do atelier um grande rolo de telas e papel chama a atenção. Ao desenrolá-lo Rui mostra uma série de esboços e desenhos seus surpreendentes. Recordamos o desenho do barco a preto e branco que recebe os visitantes, no lado de fora da porta do seu atelier. Ao entrarmos reparei que o mesmo desenho estava afixado nas costas da porta, mas pintado com uma cor forte. Tudo do lado de dentro desta porta nos confirma essa primeira impressão: a ponta de um iceberg com muito por descobrir abaixo da superfície.

A. Duarte

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A landscape grows on a large canvas attached to the wall. It springs from his fingers, from the brushes or directly from the paint tube he drains on the raw cloth. Sometimes the brushstroke movement stays visible. Other times it dissolves into a soft blur that later re-trace again the path followed by the artist. Heaven, earth, water and vegetation. On each painting there’s a path to follow. A naive landscape at first glance, soon reveals it self as an outsider trail. Quickly we suspect about the apparent randomness of his stroke and start to think that each painting can be the tip of an enormous conceptual iceberg.

The same happens with Rui Algarvio. He is keen to stay out of our lens. Not very talkative, nevertheless he unleashes a bitter and corrosive critical tone when talking about the Portuguese society. Soon he balances it with the expression of an extreme enthusiasm about what he creates. His work must speak for itself. It is his will. We can go through it with him, but he gives us few clues. We can lose ourselves in it, but he doesn’t. From his degree in the Faculty of Fine Arts in Lisbon (Faculdade de Belas Artes de Lisboa) up to the 2 years he lived in Mexico City, his creations have experienced many different orientations and intentions.  But they are just stages of a journey in which he knows pretty well where he wants to go.

Maybe his inspiration comes from the long distances he travels on is bike by the most remote dirt roads of Portuguese countryside. Or from the pictures he takes to the landscapes on passing through, or from the songs that fill his small and bright studio in Lisbon, or even from the philosophers he reads or Japanese films he sees. “I bring it all inside”, he says. “But I can not work in a mess”. On the floor of the studio a large roll of canvas and paper draws our attention. When he unrolls it we can see a series of amazing sketches. We then remember ourselves of the drawing that greets visitors at the outside of his studio door. It is a simple boat in black and white trace. After entering we noticed that the same draw is in the back of the door, but now painted with a beautiful bright color. Everything inside this door confirms that first impression: the tip of an iceberg with much to discover beneath the surface.

A. Duarte

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